segunda-feira, 8 de abril de 2013

A outra face de Salomão

Muito se fala a respeito de Salomão, sua ousadia ao pedir ao Senhor por sabedoria, bem como de sua prosperidade ao considerar a riqueza que fora ajuntada ao longo de seu reinado, contudo, questionamos, o que fez Salomão, porém, com sua riqueza, poder e influência? Que tipo de reino construiu? Manteve a justiça e a retidão com toda a sua abundância de recursos? Perguntas difíceis, entretanto, cruciais para delimitarmos que tipo de reinado Salomão empreendeu junto ao povo de Israel em Jerusalém.

A Palavra nos ensina que existem dois caminhos, duas portas (Mateus 7:13). Salomão, como um de nós, pôde usar seu poder e riqueza para fazer alguma coisa em relação ao clamor do oprimido ou simplesmente, fingir que não ouviu. Salomão pôde escolher entre a porta larga e a porta estreita, e o que ele fez? A Bíblia em 1 Reis 9:15, relata: "O rei Salomão impôs trabalhos forçados para que se construísse o templo do Senhor, seu próprio palácio, o Milo [ou aterro], o muro de Jerusalém". Por trabalho forçado, também podemos considerar é, claro, "escravidão".

Salomão, então teve escravos? Sim. Escravos que trabalharam para construir-lhe o templo, o palácio e outras edificações. Espere! O templo do Senhor? O mesmo Senhor que liberta escravos, correto? E como Salomão constrói um templo para Deus que liberta escravos... usando escravos? Esse é um momento crucial na Bíblia, em questão de poucas gerações apenas, os oprimidos tornaram-se os opressores. Os ancestrais do povo um dia clamaram por causa do cativeiro em que se encontravam, e agora esse mesmo povo está fazendo outros levantarem idêntico clamor. Os descendentes do povo que um dia ansiou pela liberdade do Egito agora edificam um novo Egito.

Salomão criou um império de indiferença. Esqueceu a história de seus antepassados. Não se lembrou de Moisés exigindo que o povo fosse liberto, da fuga deles do faraó, de como foram transportados "sobre asas de águias" (Êxodo 19:4). Em poucas gerações, os ex-escravos que viveram vagueando pelo deserto, que acabavam de ser resgatados de um império opressor, tinham se transformado em produtores de império. Salomão não mantém a justiça; agora perpetua a mesma injustiça de que um dia seu povo precisou ser resgatado. E, nesse processo, edifica para si um reino de bem-estar. Janta em seu palácio e passeia por aterros construídos pelo sofrimento humano.

Todavia, não são apenas seu bem-estar e indiferença que saltam os olhos, mas o que constrói. No mesmo trecho de 1 Reis 9:15, em que ficamos sabendo que empregava escravos para edificar o templo de Deus, seu palácio e os aterros, também está escrito que Salomão usou esses escravos para construir "Hazor, Megido e Gezer". Esse é um dos muitos  lugares na Bíblia em que é fácil passar os olhos por uma lista de nomes hebraicos e não perceber o que está acontecendo sob a superfície. Afinal, o que são Hazor, Megido e Gezer? Bases militares.

Salomão reconstruiu a cidade de Hazor como uma praça forte; Megido (desta palavra origina-se o nome Armagedom), como um centro administrativo e militar, um vale no norte de Israel, onde a África, Europa e a Ásia se encontram, uma localização estratégica, para se dizer o mínimo. Gezer era um pouco diferente, em 1 Reis 9:16, diz-se que o faraó do Egito da época, capturou Gezer, incendiou-a, matou os habitantes cananeus e deu-a como presente de casamento à filha, quando se casou com Salomão, uma coisinha superespecial para que os recém-casados começassem bem a vida.

Salomão emprega seus imensos recursos para construir bases militares com o fim de proteger... seus imensos recursos e riquezas. Seu empenho em edificar um império leva-o a dar grande prioridade à questão da preservação. Proteger e manter tudo que acumulou consome mais e mais recursos, à medida que volta sua atenção para a segurança interna. Não só isso, mas depois, em 1 Reis 10:26, o texto nos diz que Salomão acumulou "mil e quatrocentos carros e doze mil cavalos, dos quais mantinha uma parte nas guarnições de algumas cidades e a outra perto dele, em Jerusalém".

Cavalos? Carros? Os soldados do faraó também estavam a cavalo e de carro quando perseguiram os escravos hebreus que fugiam do Egito. E o texto continua dizendo que Salomão os importou do Egito! Jerusalém acaba se transformando no novo Egito! Há um novo faraó em cena, e seu nome é Salomão, o filho de Davi. Não só está acumulando cavalos e carros, tanques e aviões bombardeiros da época, como as Escrituras acrescentam, em 1 Reis 10:29, que Salomão e seus líderes "importavam do Egito um carro por sete quilos e duzentos gramas de prata, e um cavalo por um quilo e oitocentos gramas, e os exportavam para todos os reis dos hititas e dos arameus". Duas palavras: importar e exportar.

Salomão adquire cavalos e carros, mas também os vende. Salomão tornou-se um comerciante de armas. Ganha dinheiro com a violência. Descobriu que a guerra é lucrativa. Isso é manter justiça e retidão? Isso é ouvir o clamor do oprimido? Isso é cuidar da viúva, do órfão e do estrangeiro? Pouco mais à frente, lemos em 1 Reis 11:3-4, que Salomão "casou com setecentas princesas e trezentas concubinas, e as suas mulheres o levaram a desviar-se. [...] Suas mulheres o induziram a voltar-se para outros deuses, e o seu coração já não era totalmente dedicado ao Senhor, o seu Deus". Setecentas esposas? Trezentas concubinas?

Não obstante, o assunto principal da discussão para quem está contando essa história não são os números, mas como as mulheres afetaram a Salomão. Elas o afastaram de Deus, e o "seu coração já não era totalmente dedicado". Essa passagem forma um contraste significativo com o que ficamos sabendo antes, envolvendo escravos e base militares. Tratava-se então de males sistêmicos, mas agora descobrimos um outro tipo de problema. Não um problema sistêmico, mas a mudança de rumo do coração de um indivíduo. Salomão quebra a aliança com Deus.

Isso remonta ao primeiro dos Dez Mandamentos, aquele que fala em não se ter outros deuses. No monte Sinai Deus celebra uma aliança de casamento entre Ele e seu povo. Assim, o primeiro mandamento dizia que o povo não poderia ter outros amantes, dizia mais, que o relacionamento entre o povo e Deus não daria certo se fossem infiéis. As muitas mulheres de Salomão e a sua infidelidade à Deus, representam a infidelidade de todo o povo - que se desviara de Deus. No passado, Moisés dissera em Deuteronômio 17:16-17, que o rei "não deverá adquirir muitos cavalos, nem fazer o povo voltar para o Egito para conseguir mais cavalos, pois o Senhor lhes disse: 'Jamais voltem por este caminho'. Ele não deverá tomar para si muitas mulheres; se o fizer, desviará o seu coração. Também não deverá acumular muita prata e muito ouro".

Salomão adquiriu muitos cavalos? Confere. Tomou para si muitas mulheres? Confere. Seu coração desviou-se? Confere. O texto em 1 Reis 10:14, diz: "o peso do ouro que se trazia a Salomão cada ano era de seiscentos e sessenta e seis talentos de ouro", o que equivale a quase 25 toneladas de ouro. Salomão acumulou muita prata e muito ouro? Confere. E esse número 666, o peso dos talentos de ouro? Temos aqui um modo muito judaico de anunciar que algo é ruim, obscuro, errado e contrário a Deus.

Pois é, até mesmo em Jerusalém é possível seguir por um de dois caminhos, escolher entre uma de duas portas. E, com Salomão, a história envereda por um desvio trágico, ele voltou "por este caminho". Jerusalém acabou sendo o novo Egito. Salomão, o novo faraó, e o pior o Sinai, a aliança foi esquecida. Isso deixou Deus entristecido e em posição embaraçosa. Lembremo-nos, Deus está a procura de um corpo, de carne e sangue para mostrar ao mundo o casamento apropriado entre o divino e o humano. Não façamos como Salomão, que mesmo sendo sábio, enveredou-se pela porta larga, o caminho contrário a vontade do Senhor, e tornando-se exatamente aquilo que repudiava. Reflitamos!

Roberta Alves.